A programação da Cinemateca Portuguesa em 2024 será dominada pelos 50 anos do 25 de Abril, com a memória do país e dos “valores do ‘big bang'” da queda da ditadura a dialogarem com a memória do cinema.
De acordo com a programação divulgada pela Cinemateca, cruzar-se-ão ciclos do cinema português de antes, durante e depois de Abril, com ciclos que abordam a censura, o tempo colonial e pós-colonial, tendo sempre em vista questões de humanismo e liberdade, a que não são alheios outros ciclos como os dedicados ao realizador chileno Raúl Ruiz, à integral do cineasta francês Chris Marker, à produção de Hollywood, anterior ao código de censura do final da década de 1930, aos cinemas de África, e ao “outro 25 de Abril”, em Itália, que coincide com a derrota das forças nazis no país, em 1945.
Para os responsáveis da Cinemateca, segundo a apresentação da próxima temporada, “a imensidade de memórias, reflexões e interrogações” que a passagem dos 50 anos de Abril “sugere no próprio território do cinema exigiu outra escala de tempo”, sem limitar as comemorações da revolução a um ciclo, mas contaminando toda a atividade do próximo ano.
“Revolução, Liberdade, Comunidade e Futuro” são assim os “quatro grandes eixos temáticos, livremente trabalhados na história do cinema, todos sugeridos pela memória de Abril, pela suas ressonâncias históricas e pela projeção destas no nosso presente”.
Estes quatro eixos estão unidos pela interrogação “Que farei com esta espada?”, que é também o título e o desafio do filme de João César Monteiro de 1975, escrito com Maria Velho da Costa, em que o cineasta contrapõe manifestações de operários e camponeses à decadência moral conservadora e à ameaça do “Nosferatu”, de Murnau.
“Que farei com esta espada?” é um dos filmes a exibir na Cinemateca a 03 de janeiro, na abertura da nova programação, a par de “Outubro”, de Sergei Eisenstein, de “As Armas e o Povo”, documentário rodado entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio de 1974 pelo Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, e de “Stars in my Crown”, de Jacques Tourneur, centrado na vida de uma pequena cidade norte-americana no final do século XIX, em que o quotidiano vai sendo abalado por questões como a doença, a pobreza e o racismo, impondo um olhar humanista na dinâmica da comunidade.
Nos meses de abril e maio, a “Revolução dos Cravos” concentra as atenções. Durante esses dois meses, a Cinemateca vai revisitar o cinema mundial ao tempo da revolução portuguesa. Haverá também “uma longa sessão de homenagem” ao cinema português, numa “montagem crua de bobines” de filmes em diálogo com a História contemporânea, e serão exibidas montagens de “cortes” feitos pela censura.
No dia 25 de Abril, será feita uma maratona das “Imagens de Abril”, através de obras da época, de filmes posteriores que a evocam e de documentos inéditos entretanto recuperados. Nesse dia será ainda inaugurada uma instalação da realizadora Lucina Fina, numa evocação livre da data.
A realidade colonial será abordada com imagens do acervo da Cinemateca e de outros arquivos europeus, enquanto a era pós-colonial terá “mostras de cinema de países lusófonos libertados”, incluindo “obras fundadoras das suas próprias cinematografias” e criações de novas gerações.
Os ciclos dedicados a cineastas portugueses contemplam Fernando Matos Silva, nome do Novo Cinema que terá uma retrospetiva já em janeiro, seguindo-se Monique Rutler e José Nascimento.
Uma “primeira mostra abrangente” de filmes dirigidos “por grandes artistas plásticos portugueses”, nos anos de 1960-1980, está também prevista.
Além da integral dedicada a Chris Marker, em parceria com a Festa do Cinema Francês, de “O Outro 25 de Abril”, integrado na Festa do Cinema Italiano, e da retrospetiva “tendencialmente integral”, que se estenderá por vários meses, da obra de Raúl Ruiz, haverá ainda um ciclo dedicado à adaptação para cinema da obra literária de Joseph Conrad, e outro ao cineasta Anatole Litvak, que estendeu a carreira da União Soviética dos anos de 1920, à Alemanha pré-hitleriana, a França, Hollywood e de novo à Europa, no pós-Guerra.
O cineasta de origem húngara Pál Fejös, cujo percurso se estende do cinema mudo ao documentário, e a dupla Gregory Markopoulos e Robert Beavers, com o seu cinema experimental, protagonizam outros ciclos anunciados.
Terence Davis, o realizador de “Vozes Distantes, Vidas Suspensas” e de “A Bíblia de Neon”, que morreu em outubro, terá um ciclo homenagem no próximo ano. A Cinemateca define-o como “um dos grandes autores do cinema britânico contemporâneo.”.