Fala de uma “missão” quando explica que o grego e o latim são “línguas que ainda devem ser aprendidas e ensinadas”. Frederico Lourenço acaba de publicar “Horácio. Poesia Completa” (Ed. Quetzal), uma tradução com edição bilingue que traz de novo ao mercado editorial português a poética de Horácio.
É a primeira edição completa a ser publicada no nosso país desde o séc. XVII. Em entrevista à Renascença, o tradutor e ensaísta fala da riqueza enorme que é mostrar lado a lado a poesia de Horácio em português e em latim.
O professor universitário tem vindo a dedicar-se ao trabalho de tradução. Nesta entrevista ao programa Ensaio Geral, Frederico Lourenço admite que o seu trabalho “só vai acabar com a tradução dos dois últimos volumes do Antigo Testamento grego”.
“Falta acabar de compor o segundo tomo dos livros históricos do Antigo Testamento e depois publicar a tradução do Pentateuco na versão grega”, explica Lourenço, admitindo que pretende que a sua “carreira de tradutor acabasse mesmo com a tradução da Bíblia”.
“A partir daí, quero dedicar-me ao estudo do Novo Testamento, mas um estudo mais interpretativo e hermenêutico”, explica.
“Acho que depois de ter traduzido a Bíblia, não vai haver mais nada que eu queira traduzir. Acho que é o momento de encerrar essa etapa”, indica o Prémio Pessoa 2016.
Frederico Lourenço, apaixonado pelos clássicos da literatura antiga, vai, no entanto, continuar a ler os autores gregos e latinos “enquanto tiver vida e saúde”.
Horácio, o ‘influencer’ para Fernando Pessoa
Frederico Lourenço diz que Horário é uma das suas “grandes paixões”. Explica que deu-se “conta de que não era publicada uma edição completa da obra de Horácio em Portugal desde o sé. XVII, concretamente desde 1657”. Resolveu, por isso, empreender tamanha tarefa porque Horácio é um poeta “desafiante”.
“Horácio é sempre tido como um dos autores mais difíceis da literatura latina, porque é um autor que escreve um latim, que é muito difícil, é muito sintético, é muito abstrato. É considerado um dos autores de latim mais desafiantes e, desse ponto de vista, dá trabalho a ler e a entender”, indica o tradutor.
Contudo, Frederico Lourenço encara a tradução como “uma descoberta”. Nesta missão de encontrar “todas as subtilezas do texto, das entrelinhas”, Lourenço admite que o desafio de tentar entender as “camadas de sentido que estão por detrás das palavras e dos versos”. Segundo o académico, Horácio fala a várias vozes e “assume uma personagem literária diferente consoante o género da coletânea”.
“Tanto nos parece uma pessoa extremamente irónica e mordaz, como se parece uma pessoa apaixonada e entusiasmada pelas emoções humanas, ou parece-nos uma pessoa intensamente espiritual e à procura de Deus num sentido em que em latim, como não há artigo definido, nós nunca sabemos se quando Horácio escreve Deus está a dizer ‘um Deus’ ou ‘o Deus’ da religião romana, ou se ele já intui que existirá Deus.”
Na opinião de Frederico Lourenço, “há muitos paralelos fascinantes entre Horácio e o Antigo Testamento”. Mas não é apenas este aspeto que desperta em Frederico Lourenço a inquietação quanto à poesia de Horácio. O estudioso encontra outros paralelismos, mesmo em autores do século XX.
“Fernando Pessoa inventou um heterónimo que é um novo Horácio, que é Ricardo Reis. Escreve exatamente à maneira de Horácio, imitando as frases e o registo poético horaciano. Penso que é um dos exemplos mais extraordinários de uma reencarnação literária de um autor que assume a identidade de um outro autor. Na literatura portuguesa temos esse fenómeno extraordinário no caso de Pessoa”, remata.