Em declarações à agência Lusa, Luís Moreira, encenador da peça e intérprete do papel de Olívia, disse tratar-se da “primeira vez que em Portugal se faz um espetáculo com dois elencos”.
“Noite de Reis”, do dramaturgo inglês William Shakespeare, estreia-se no Dia de Reis e promete “um Carnaval desregrado, onde o amor romântico é tanto uma praga como uma cura”, segundo a companhia.
Trata-se de um projeto artístico com uma “preocupação social”, acrescentou Luís Moreira, acrescentando que para a construção do espetáculo foram criados dois grupos distintos, que trabalharam sobre as questões de expectativa de papel de género e os conjuntos de comportamentos considerados apropriados para cada qual.
A “ironia” do projeto consiste em provocar o público, dando-lhe “exatamente aquilo que ele acha que deve existir, a diferença entre homens e mulheres”.
“Terá uma preferência à partida? Se sim, porquê? A nós, artistas, não nos cabe responder a essa pergunta. Nós só levantamos a hipótese e damos oferta à escolha do público”, observou, sublinhando a importância de se continuar a falar sobre estas questões.
Porque ainda este Natal viu, na sua própria família, “que ainda há uma expectativa diferente para as raparigas e para os homens”.
“E continua, infelizmente”, disse, considerando “chocante” que tal continue a passar-se.
“Continua a ser aceitável, senão desejável até, que distingamos o comportamento apenas com base no sexo da pessoa, promovendo esse comportamento quando ele é culturalmente apropriado e punindo-o quando ele não é”, observou.
Por isso, o que este espetáculo pretende dizer é que “por mais sofisticada que a sociedade queira parecer, a expectativa de papel de género parece imutável desde o século XVII”.
“Noite de reis: versão celebrativa” é o espetáculo com que a Filho do Meio encerra o ciclo ‘shakespeariano’, com a mesma peça com que começou em 2017.
A ideia para o espetáculo surgiu de a companhia ter ganhado, em 2022, o Prémio de Teatro Carlos Avilez, da Fundação Mirpuri, com a peça “Romeu e Julieta”, na qual o coletivo “virou a peça ao contrário”, começando pelo fim.
Para explicar o porquê de elencos masculinos e femininos, Luís Moreira “citou” Shakespeare: “São dois lábios de vermelho idêntico”.
“É como dizermos que em teatro o mesmo texto pode ser dito de milhares de maneiras diferentes, por que não pôr o texto em cena com dois elencos diferentes”, perguntou.
O critério de dois grupos não é novidade, já que o próprio autor do texto o propôs para a comédia quando põe Violeta, a protagonista da peça, que se mascara de homem, a dizer que na “condição de homem” pode fazer certas coisas e na “condição de mulher” outras.
De 06 de janeiro a 04 de fevereiro, a peça terá sessões dias 06, 12, 13, 14, 17, 18, 26, 27, 28, 31 de janeiro e 01 de fevereiro com elenco masculino, e dias 07, 10, 11, 19, 20, 21, 24, 25 de janeiro e 02, 03 e 04 de fevereiro com elenco feminino.
O espetáculo tem tradução de Fernando Villas-Boas e encenação de Luís Moreira.
A assistência de encenação é de Raquel Montenegro, o desenho de luz de Rui Seabra, os cenários e figurinos de Manuela Bronze e Maria Gonzaga e a coreografia de Joana Chandelier.
A interpretar estão Mónica Garcez / Valter Teixeira (Orsino), Sandra Pereira / Luís Lobão (Violeta), Mariana Lobo Vaz / Rodrigo Machado (Sebastião), Alice Medeiros / Luís Moreira (Olívia), Ana Baptista / Vítor Alves da Silva (Maria), Anna Lëppanen / Frederico Coutinho (Dom Telmo), Rita Poças / Vasco Barroso (Dom André), Ana Valente / José Redondo (Bobo) e Sara Ribeiro / Ricardo Vaz Trindade (Malvólio).
A peça, no título original “Twelfth Night”, foi escrita entre 1600 e 1602 por Shakespeare, e é considerada uma das suas mais conseguidas comédias, como recorda a entrada na Enciclopédia Britânica.
De acordo com a sinopse publicada pela Companhia de Teatro de Almada, que a levou ao palco no ano passado, a história é a seguinte: “Assistimos à história de [Violeta], que chega a uma terra chamada Ilíria na sequência de um naufrágio no qual julgara ter-se afogado o seu irmão, Sebastião. Para evitar os perigos de se apresentar como mulher numa terra estranha, decide disfarçar-se de homem, e passa a ser Cesário, um criado logo contratado pelo Conde Orsino. A sua tarefa consistirá daí em diante em ser portador das apaixonadas mensagens do Conde para a princesa Olívia, que no entanto não lhe retribui os sentimentos amorosos. Só que a princesa Olívia, ao mesmo tempo que recusa o amor do Conde, acaba por apaixonar-se pelo mensageiro, ou seja, por [Violeta] disfarçada de Cesário.”
Segundo a base de dados do Centro de Estudos Teatrais da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a peça foi levada à cena em Portugal, pela primeira vez, em 1957, pelo Teatro Nacional Popular, com encenação de Francisco Ribeiro e um elenco que incluía nomes como Curado Ribeiro, Ruy de Carvalho, Carlos Wallenstein, Canto e Castro, Eunice Muñoz e Lígia Teles, entre muitos outros.
Desde então já foi encenada por companhias como o Grupo Experimental de Teatro do Funchal ou o Teatro Nacional São João, que a levou ao palco pela mão de Ricardo Pais.
Já este ano, o Teatro da Trindade, em Lisboa, acolheu uma “Noite de Reis”, com dramaturgia e encenação de Ricardo Neves-Neves.
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