Metade da família de Noor Rihan foi morta durante um ataque israelita em Beit Lahiya, no norte da Faixa de Gaza, a 15 de outubro. A própria mulher, que estava grávida de oito meses, foi atingida por um bloco de cimento nas costas. Depois de uma batalha de três anos para engravidar, Noor foi admitida no hospital Al-Shifa, onde os profissionais de saúde conseguiram salvar o seu bebé. Contudo, à medida que o cerco apertava naquela unidade de saúde, a jovem mãe viu-se obrigada a deixar o filho para trás.
“Depois da cirurgia, levaram logo o meu filho. Não o vi, de todo”, contou Noor à CBS News.
A mulher permaneceu no hospital durante três dias mas, tendo em conta a falta de alimentos e de medicação, e o aumento de cadáveres nos corredores, viu-se obrigada a procurar refúgio noutro local.
“Tive de me ir embora. Não sabia nada da minha família. A minha casa estava destruída, não sabia quem ainda estava nos escombros. Nem sequer sabia se o meu marido estava vivo ou morto ou onde é que tinham enterrado os mortos”, confessou.
Sem dinheiro e com dores, devido aos pontos infetados, Noor andou durante uma hora e meia até uma escola em Jabalia que atuava como campo de refugiados. Foi aí que encontrou o marido; ferido, mas vivo. Contudo, uma semana depois, também aquele local ficou sob ataque. Noor decidiu regressar ao hospital Al-Shifa, onde lhe disseram que, se levasse o seu bebé, este morreria nos seus braços. A mulher optou deixar o menino ao cuidado dos profissionais de saúde, tendo procurado refúgio noutra escola ali perto. Durante três dias, também esse campo de refugiados foi cercado pelas tropas israelitas.
“Outras mulheres estavam a dar à luz na escola, sem médicos. Cozemos as feridas uns dos outros”, disse.
A dado momento, os soldados terão ordenado a retirada de todos os que se encontravam no interior da outrora instituição de ensino, dois a dois, apenas com os bilhetes de identidade.
“Estava a segurar a mão do meu irmão de 5 anos. Ele estava ferido e dizia-me, ‘Não consigo andar, Noor. Estamos a andar em vidro.’ Perguntei se podia pegar nele ao colo e eles disseram, ‘Não, deixa-o.’ Em Gaza, as nossas crianças carregam os irmãos mortos, em vez de carregarem brinquedos”, apontou.
Pela terceira vez, Noor tentou ir buscar o filho. No entanto, foi-lhe dito que apenas Deus a poderia ajudar, uma vez que o recém-nascido estava ligado às máquinas e o combustível estava a esgotar-se. Além disso, as forças israelitas estavam prestes a invadir o hospital, por acreditarem que se tratava de um centro de operações do Hamas.
“Tive de deixar o meu filho e seguir para sul, deixando o meu coração com o meu filho”, admitiu.
Já no campo de refugiados Al-Nuseirat, a mulher soube do que se estava a passar no hospital Al-Shifa, pelo que se convenceu de que o seu bebé tinha morrido.
“Dei o meu filho como morto. O meu filho estava ligado a um ventilador, e eles cortaram a eletricidade e destruíram os geradores. Perdi a esperança de que o meu filho estivesse vivo”, contou.
Ainda assim, uma fotografia de bebés enrolados em alumínio viria a correr o mundo. Sem que Noor o soubesse, o seu filho estava entre essa dezena de recém-nascidos. A mulher tentou contactar organizações mas, durante 15 dias, nada soube do destino do seu bebé.
Depois, no dia 19 de novembro, dezenas de bebés foram transportados para o hospital Emirati, em Rafah, numa operação do Crescente Vermelho Palestiniano. Agarrando-se a uma réstia de esperança, Noor e o marido rumaram até àquela unidade hospitalar, onde descobriram que o filho estava vivo. Contudo, ainda não o poderiam conhecer, devido ao trauma que tinham passado.
“Ele estava tão fraco, que podíamos ver as costelas todas. Não podia segurar nele. Era mais pequeno do que a palma da minha mão”, exemplificou.
Numa outra missão humanitária, 28 bebés foram transferidos para o Egito. No dia 5 de dezembro, Noor pôde, finalmente, reencontrar o seu filho – 50 dias depois do seu nascimento.
“Foi um sonho conhecer o meu filho. Gostava que o meu marido pudesse estar aqui para ver o seu filho. O meu marido não vê o filho há dois meses, nem sequer uma foto; não há comunicação no Norte de Gaza”, lamentou.
Depois do ataque surpresa do Hamas contra o território israelita, sob o nome ‘Tempestade al-Aqsa’, Israel bombardeou a partir do ar várias instalações daquele grupo armado na Faixa de Gaza, numa operação que denominou ‘Espadas de Ferro’.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, declarou que Israel está “em guerra” com o Hamas, grupo considerado terrorista por Israel, pelos Estados Unidos e pela União Europeia (UE), tendo acordado com a oposição a criação de um governo de emergência nacional e de um gabinete de guerra.
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