Até hoje, 26 anos após a morte dos integrantes dos Mamonas Assassinas, paira no ar um capcioso sentimento de nostalgia que é difícil de explicar. Talvez pela alegria que o quinteto de Guarulhos exalava nos shows, nas entrevistas e nas participações dos programas de auditório. Ou, quem sabe, pela inconsequência incorrigível dos garotos, todos na casa dos 20 e poucos anos — uma inconsequência já não experimentada em tempos recentes, um período pré-patrulha do politicamente correto. Era de se esperar, portanto, que uma cinebiografia sobre o grupo de ascensão fulminante – foram apenas oito meses de carreira – surfasse minimamente naquele sucesso. E que sucesso: foram 3 milhões de discos vendidos e cerca de sete shows por semana em todo o Brasil, até o furacão Mamonas ser tragicamente interrompido em 2 de março de 1996, quando o jatinho em que a banda estava caiu na Serra da Cantareira, em São Paulo. Para a decepção dos fãs, não é isso o que se vê na cinebiografia Mamonas Assassinas – O Impossível Não Existe, em cartaz nos cinemas.
Produzida por Walkiria Barbosa, com roteiro de Carlos Lombardi e direção de Edson Spinello, a cinebiografia peca ao tentar contar a história do grupo de uma forma um tanto dispersa, sem rumo. Há subtramas completamente desnecessárias, cenas soltas e, pecado maior, piadas sem graça. Personagens mal construídos são jogados na história sem contexto, alguns dos quais nem sabemos o nome. O relacionamento de Dinho com o pai e a mãe é raso e mal desenvolvido. Mas o pior é a maneira machista como as mulheres da história são retratadas: todas, absolutamente, são apresentadas como vilãs. A namorada de Dinho, Valéria Zopello, interpretada pela influencer do TikTok Fefe Schneider, é mostrada como uma patricinha que tenta convencer o cantor a deixar a banda e seguir carreira solo. Uma groupie se instala na casa dos irmãos Samuel e Sérgio e causa uma insone treta entre eles, em tiradas à lá Zorra Total, com flagrantes de escapadas noturnas que só servem para causar bocejos. Faltou só a risada da claque ao fundo. A esposa do produtor musical Rick Bonadio é retratada como uma trophy wife em cenas de biquíni na piscina e sem nenhuma fala, enquanto Rick, que descobriu a banda, se parece com um playboyzinho mimado.
Os diálogos também são sofríveis. O roteiro insiste em botar na boca dos personagens a ação que eles vão desenvolver. Se eles precisam gravar um disco, alguém diz: “Vamos gravar o disco”. Se eles estão na pior, vem aquele velho discurso manjado do vencedor predestinado: “O impossível não existe” e “Nós vamos conseguir” etc. Sobre os figurinos e os cenários, bem que eles tentaram recriar o clima dos anos 1990, com carros da época com as antigas placas amarelas, embora a placas cinzas já estivessem em vigor desde 1990. Dentro das casas, há um esforço para retratar a decoração suburbana, mas, numa cena na cozinha, as tomadas elétricas são do modelo de três pinos, instituídos no governo de Dilma. A peruca que o Ruy Brissac usa para representar o Dinho na época da banda Utopia é pavorosa, beira o caricato. São detalhes que parecem pequenos, mas, no todo, prejudicam. Em entrevista coletiva, a produtora Walkiria falou que os fãs foram bem xiitas no que diz respeito aos figurinos, reclamando, inclusive, da largura das faixas de presidiários, fantasia que a banda usava nos shows. Por outro lado, a família colaborou no que pôde, emprestando roupas e instrumentos originais usados pelo grupo e até a Brasília amarela.
Em resumo, apesar de estarmos diante de uma história fantástica de sucesso e com um desfecho trágico que abalou o Brasil, falta liga ao filme dos Mamonas Assassinas, montado não para contar uma história, mas como uma colcha de retalhos, tal qual uma sucessão de esquetes baratas de humor. Em última instância, esses cinco garotos resumem o que foram os anos 1990, uma época em que se produziu pouquíssima coisa relevante musicalmente, exceto naqueles mágicos oito meses entre 1995 e 1996.
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