O histórico editor de música Arnaldo Trindade, fundador da Orfeu, morreu, aos 89 anos, anunciou esta segunda-feira a família nas redes sociais, sem adiantar mais pormenores.
Numa mensagem publicada na conta de Facebook de Arnaldo Trindade pode ler-se que o velório será na Igreja de Cristo-Rei, no Porto, a partir das 16h30 de terça-feira, com o funeral a realizar-se na quarta-feira, às 10h00.
Nas reações à publicação surgem nomes como o guitarrista Rui Pato, que o guarda “nas [suas] mais bonitas e importantes memórias”, ou o cantor Carlos Mendes, que agradece tudo o que Trindade fez por si.
O investigador e divulgador da música portuguesa João Carlos Calixto escreveu: “O que podemos dizer quando perdemos um amigo que nos ensinou sempre que a paixão é o verdadeiro motor da vida?”
Fundador da editora Orfeu, na década de 1950, comprou a Rádio Triunfo, e convidou “vários poetas e prosadores a gravarem os seus trabalhos, ditos pelos próprios: Miguel Torga, José Régio, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Daniel Filipe, Aquilino Ribeiro”, entre outros, como se pode ler na biografia publicada no livro de poesia “Jogos de Xadrez e da Vida”, com que se estreou no género, em 2013.
“Dedicado à música e ignorando ostensivamente a PIDE, Arnaldo Trindade, desde finais da década de 50 e até meados da de 80, pela Orfeu produzia o melhor da música portuguesa: José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, Fausto, Vitorino, Fanhais, produções José Mário Branco e José Niza”, pode ler-se no mesmo texto biográfico.
Foi distinguido com a medalha municipal de mérito pela Câmara Municipal do Porto em 2012.
Arnaldo Manuel de Albuquerque Trindade nasceu no Porto, em 21 de setembro de 1934, “no seio de uma família da burguesia comercial”, tendo frequentado o Liceu Alexandre Herculano, na cidade onde nasceu.
Com 19 anos, depois da morte do pai, “optou por seguir a tradição familiar em detrimento da manutenção dos seus estudos académicos”, como se lê na mesma biografia, que recorda as viagens de Trindade por países como Inglaterra, França e Estados Unidos da América e a constatação que teve da “necessidade de evolução” do Portugal da ditadura do Estado Novo.
Através da Orfeu, editou alguns dos principais nomes da música portuguesa da segunda metade do século XX, com destaque para José Afonso, que Trindade conheceu aquando do disco “Cantares de Andarilho”, que, como disse o editor numa entrevista ao jornal i, republicada pela Associação José Afonso, “nenhuma editora quis gravar” depois de Afonso ter visto trabalhos anteriores proibidos.
“Não comungava totalmente com as ideias do José Afonso. Claro que também não era a favor da situação vigente. Sempre fui um social-democrata. Como o José Afonso, era adepto de um mundo melhor. Aceitei gravar o álbum, contra tudo. Era tão bom que não devia ficar encalhado. Ele foi logo passar uns dias ao Porto”, disse, em 2012.
Em declarações à Lusa, em 2013, Arnaldo Trindade explicou que o contrato com José Afonso estipulava o registo de um álbum por ano, pelo cantor nascido em Aveiro, sob o selo da editora que sempre manteve o escritório na Rua de Santa Catarina, no Porto.
Pela Orfeu saíram discos de José Afonso como “Contos velhos, rumos novos” (1969), “Traz outro amigo também” (1970), “Cantigas do Maio” (1971), “Eu vou ser como a toupeira” (1972), “Venham mais cinco” (1973), “Coro dos tribunais” (1974), “Com as minhas tamanquinhas” (1976), “Enquanto há força” (1978), “Fura fura” (1979) e “Fados de Coimbra” (1981).
Pela editora foram lançados outros discos influentes da época, como “10.000 Anos Depois entre Vénus e Marte”, de José Cid, “O Canto e as Armas”, de Adriano Correia de Oliveira, “E Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, para além de vários trabalhos de Quim Barreiros, entre tantos outros.
No prefácio de “Jogos de Xadrez e da Vida”, o historiador José Augusto de Sottomayor-Pizarro salientava que Arnaldo Trindade, ao contrário de tantos outros, “sabia apreciar os grandes restaurantes do mundo, mas delicia-se da mesma forma numa boa tasquinha de aldeia […], soube apreciar todos os clássicos da literatura, que efetivamente leu, também vibrou intensamente com a descoberta de um Camilleri ou dos mais recentes ficcionistas e romancistas”.